Mar di Kepóna e os "Tugas" crioulos de Melville
Mar di Kepóna
Assim chamavam os intrépidos marinheiros cabo-verdianos ao Estreito de Magalhães, uma corruptela de Cape Horn. Eram presença constante em baleeiros, famosos pela coragem e resistência e extrema humildade. Tanta que o grande Herman Melville os comparou a cavalos.
Nada melhor para inaugurar um blog com esta designação do que recuperar esse texto em que um dos génios da literatura americana, do século XIX, Herman Melville ("Moby Dick") compara os cabo-verdianos do Fogo a verdadeiras bestas. Nada menos. A palavra utilizada por Melville para descrever os nossos irmãos de Djar Fogo é "Gees", diminuitivo de "Portuguese". Compreende-se. Na altura, éramos todos portugueses, portugueses pretos.
O texto de Melville (1819-1891), uma pseudo-análise etnológica dos naturais da ilha do Fogo, naturalmente, reflecte uma América preconceituosa e racista, a poucos anos da grande topada da Guerra de Secessão, ou seja, da perda da primeira inocência.
Há quem diga que "Gees" (em português "Tuga") - que hoje seria qualquer coisa muito próxima do "Catanhô", designação angolana para os crioulos das ilhas - vem na linha de "Espécies de Humanidade" (Types of Mankind), de Josiah C. Notts e George R. Gliddon, publicado na época, e que procurava dividir a raça humana em "espécies perfeitamente separadas, enformadas por uma série de características físicas, intelectuais e comportamentais classificadas numa escala hierarquica ou biológica a partir do mais atrasado Negro ao mais elevado Caucasiano."
Mas, para além das suas hilariantes opiniões, o que interessa reter do texto de Melville é a referência histórica ao marinheiro foguense, presença frequente em baleeiros americanos, um dos raros testemunhos da presença de cabo-verdianos na América. Dando, como é óbvio, enorme desconto à mentalidade ignorante da época. Mas vale a pena relê-lo, disponível numa tradução de Irene Hirsch.
Primeiras Traduções. Ver versão portuguesa de "Tugas" aqui