Terça-feira, 27.01.09

Um PEN Club para Cabo Verde

A pergunta: porque não existe ainda um PEN Club em Cabo Verde?

 

 

São mais de cem os países que constam na lista do PEN International, cujos romancistas, ensaístas, poetas e jornalistas beneficiam do intercâmbio em colóquios e encontros internacionais.

 

Cabo Verde possui uma literatura rica e variada e uma tradição de reflectir e pensar o mundo que intriga quem chega às ilhas pela primeira vez. Os seus autores, é verdade, estão reunidos numa associação que não olha a esforços para a promoção dos seus membros e a dignificação da literatura cabo-verdiana.

 

Mas num mundo globalizado como é o nosso, a cultura só tem a ganhar quando os seus agentes, criadores e promotores estiverem em contacto com os seus pares internacionais e puderem disfrutar de novas experiências e pontos de vista diferentes.

 

Para além do prestígio internacional que tem, o PEN está associado, desde a sua fundação, a ideiais humanitários e de liberdade. Atravessou o século XX ao lado daqueles que lutaram pela dignificação do Homem e a busca por um mundo mais justo e equilibrado.

 

A criação de um PEN Club de Cabo Verde permitirá aos seus escritores  levar a sua particular experiência a outros, a outras latitudes, outras sociedades, num mundo cada vez mais voltado para a descoberta de riqueza cultural.

publicado por Joaquim Arena às 11:46 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Sábado, 17.01.09

Quem foi Michael de Freitas?

Como revela Patrick French, na sua extraordinária biografia de Sir Vidia Naipaul, "The World is What it is", a reportagem de Naipaul sobre Michael Abdul Malik, também conhecido por Michael X, mas Freitas de seu verdadeiro nome, é um dos melhores textos de não-ficção do Nobel da Literatura de Trindad e Tobago.

 

Para Magnus Linkater, editor do Sunday Times Magazine, o artigo não é mais do que " um dos melhores que publicámos durante a minha passagem por esse posto".

 

Apesar de praticamente desconhecido no mundo lusófono, Michael de Freitas (1935 - 1972), filho de um logista português da Madeira e de uma "bajan" -  natural de Barbados, foi o mais conhecido natural de Trindad e Tobago, nos anos 1960, nas Ilhas Britânicas. Depois de abandonar a família e emigrar para a Europa, Freitas fez um pouco de tudo no sub-mundo londrino, de proxenta até homem-de-mão de alguns poderosos. A época era a dos distúrbios nos bairros de emigrantes das Caraíbas, de várias cidades inglesas. E é assim que Freitas se vê, de um momento para o outro, promovido a porta-voz da comunidade negra imigrada, apesar do seu passado no mundo do crime.

 

Durante este período de agitação social, Malcolm X, líder da Nação do islão nos EUA, visita a Inglaterra e Micheal de Freitas muda o nome para Michael X e auto-intitula-se líder do movimento Black Power na Grã-Bretanha. O passo seguinte é a fundação da comuna Black House. A imprensa, ávida de líderes sociais à imagem da América, torna-se responsável pelo poder mediático que Michael X rapidamente ganha na sociedade inglesa. Nomes como Rolling Stones, John Lennon e Yoko Ono juntam-se ao das várias estrelas que fazem parte  do seu grupo de amigos e filantropos. Estes últimos chegam mesmo a doar uma porção do seu cabelo para ser leiloado, para fundos da Black House.

 

No início dos anos 1970, Michael X agora de novo conhecido por Michael Abdul Malik, a braços com problemas com a justiça na Grã-Bretanha, estabelece a sua comuna Black House na sua ilha natal, desta vez para prosseguir a luta dos seus irmãos negros contra o poder económico e social dos descendentes de emigrantes indianos, de onde V. S. Naipaul é originário.

 

Mas a aventura política de Michael atinge os seus limites quando ele próprio assassina um dos elementos do seu Black Liberation Army, Joseph Skerrit, depois de este se recusar a assaltar uma esquadra e a assassinar os polícias ali de serviço. Em 1972, Michael Abdul Malik é julgado e condenado à morte por enforcamento, em Port of Spain.

 

No seu livro, "Guerrillas", de 1975, V. S. Naipaul baseou o seu personagem Jimmy Ahmed em Michael de Freitas, X e Abdul Malik.

 

publicado por Joaquim Arena às 13:31 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Sexta-feira, 02.01.09

O que viu Flora Tristán na Praia, enquanto sonhava com o Paraíso

Onde se encontra o Paraíso? Na construção de uma sociedade igualitária ou no retorno ao mundo primitivo? A pergunta percorre todo o romance O Paraíso na Outra Esquina (2003, Dom Quixote), obra de extraordinário fôlego histórico do escritor peruano Mário Vargas Llosa. Nela seguimos a busca pela utopia levada a cabo por Flora Tristán (1803 - 1844) e, décadas mais tarde, pelo seu próprio neto Paul Gauguin (1848 - 1903, que obviamente não chegaria a conhecer), este a caminho do Tahiti - farto da decadência parisiense. Diz-se que o próprio Carl Marx se baseou nos textos desta francesa de origem peruana para escrever o seu Capital, em meados do século XIX.

 

Antes de iniciar essa busca pela sociedade igualitária, a fundação da sua União Operária, Flora Tristan passou pela Cidade da Praia, a caminho do Peru. A pena mágica de Vargas Llosa recria essa Praia de apenas quatro mil habitantes, dos anos trinta do século XIX, onde Flora veria "o verdadeiro rosto, espantoso, indiscritível, de uma instituição que apenas conhecias de ouvido: a escravidão."

 

Em duas páginas (122, 123) LIosa faz Flora Tristán assistir à punição de dois escravos levados a cabo por dois soldados suados, na capital cabo-verdiana. Fica-se a saber que "todos os brancos e mestiços da Praia ganhavam a vida caçando, comprando e vendendo escravos."

 

Durante os dez dias que passou na capital da colónia portuguesa, Flora ficaria fortemente impressionada com "a viúva Watrin, alta e obesa matrona cor de café com leite, cuja casa estava cheia de gravuras do seu admirado Napoleão e dos generais do Império, que, depois de te oferecer uma chávena de chocolate com pasta de cacau, te mostrou orgulhosa o adorno mais original da sua sala de estar: dois fetos negros, a flutuar nuns aquários de formol." 

 

O principal terratenente da ilha, "monsieur Tappe, francês de Bayonne, era um cinquentão roliço e congestionado, de olhos libidinosos. Tinha 28 negros, 28 negras e 37 negritos, dizia, graças a 'Dom Valentim' - o chicote que trazia enrolado à cintura - 'se portavam bem'"

 

Vargas LIosa faz ainda Flora Tristán travar conhecimento também com um certo capitão Brandisco, um veneziano: "(...) mostrou-lhes um baú com fiadas contas de vidro, que, gabou-se, trocava por negros nas aldeias africanas."

 

E lá seguiu Flora Tristan, rumo ao Peru, fugindo de um marido violento e em busca de um pouco da fortuna da sua família descendente dos vice-reys da ex-colónia espanhola. Ainda vinham longe os anos da luta social, a sua batalha contra os empregadores, pelos primeiros miseráveis e a ignorância de toda uma sociedade já presa nas malhas da Revolução Industrial. Mas a consciência social e a luta por uma sociedade mais justa estava em formação.

 

 

 

publicado por Joaquim Arena às 19:57 | link do post | comentar

Joaquim Arena

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